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  • Karla Farias

A participação do adulto na formação da personalidade da criança - parte 1


Na atualidade vemos crescer o número de pessoas apresentando sinais e sintomas de ansiedade, depressão, dificuldade de adaptação às mais diversas situações do cotidiano, ao ponto de não conseguirem administrar suas vidas nem se relacionarem com seus pares. Não sabem manejar as próprias emoções e por isso buscam freneticamente não entrar em contato com as mesmas. Os prazeres imediatos os entorpecem, mas logo os tornam dependentes de novas emoções positivas que “bloqueiem” o acesso àquelas indesejáveis.


No entanto, este padrão de comportamento não é viável a longo prazo, e logo as pessoas começam a sentir a necessidade de buscar ajuda. Seja por crise conjugal, conflitos familiares, profissionais, dependências dos mais variados tipos, ou por transtornos psiquiátricos propriamente ditos. Muitas vezes, a busca pela terapia vem por encaminhamento médico ou por insistência de seus familiares e amigos, mesmo que a própria pessoa considere que não há nada de errado com ela. Em casos extremos a chegada ao consultório se dá após uma ou mais tentativas de suicídio. O que se percebe ao longo do processo terapêutico é que, na maioria das vezes, tudo poderia ter sido diferente se sua história de desenvolvimento da personalidade tivesse tomado outro rumo.


A personalidade é um processo natural alicerçada em bases genéticas que definem o temperamento do indivíduo (características inatas) e pelos efeitos do ambiente (pessoas e eventos com os quais interagiu ao longo da vida). A partir da interação com o ambiente, o indivíduo irá aprender e cristalizar estratégias de enfrentamento, que poderão a princípio ser muito boas, mas depois tornam-se disfuncionais. Um indivíduo funcional irá atualizar suas estratégias constantemente ao longo da vida.


Uma vez consolidada a personalidade, este processo de mudança torna-se demorado e doloroso para o indivíduo. Além disso, quando não há desejo de reestruturar suas crenças e seus modos de enfrentamento, seus esquemas ou regras de vida disfuncionais podem ser perpetuados, passando de uma geração para a outra, pois só damos aquilo que temos. Se cremos que o mundo é sombrio e perigoso, ensinaremos para nossos filhos, que poderão desenvolver os mesmos temores, e estes transmitirão para seus filhos, e assim por diante.


A melhor forma de tentar garantir que nossos filhos sejam adultos felizes é promovendo de uma infância saudável, suprindo ao máximo as suas necessidades emocionais básicas.


Algumas necessidades emocionais básicas, quando não supridas na infância podem levar o indivíduo a desenvolver na fase adulta o que chamamos de desconexão e rejeição. Pela ausência de vínculos seguros e empatia, o indivíduo sente a rejeição ou abandono como uma ameaça constante. Algumas das necessidades emocionais básicas cuja carência leva à desconexão e rejeição são:


Base emocional estável e previsível de apego - Quando os adultos são emocionalmente imprevisíveis, ou com presença inconstante (em um momento são intensos, estão juntos, brincam, dão toda atenção, e repentinamente saem passando longos períodos afastados), a criança pode desenvolver um Esquema de Abandono. Ao longo da vida, ocasionalmente experienciará sensação de solidão infinita. Diante de uma separação, mesmo que breve, como uma viagem de alguém importante a trabalho, poderá ter medo ou raiva. Será dependente da presença e do amor manifestado constantemente pelo outro. Dependendo de seu temperamento, poderá tornar-se uma pessoa passional, que se envolve com relacionamentos complicado, sente muito ciúme, não é ou não se sente correspondido em seu afeto, é controladora ou então torna-se uma pessoa que não se aprofunda nos relacionamentos, fala pouco das emoções e evita envolver-se.


A família de origem pode constituir-se de pais emocionalmente instáveis, pai ou mãe doente (convivência com a iminência de morte), perda de um dos pais de forma impactante ou abrupta (nascimento de irmão, separação, pai constituindo nova família), superproteção (gera sentimento de incapacidade para viver sozinho), afastamento da mãe por longo período de tempo (cuidador que viaja constantemente ou por longos períodos, por exemplo), várias figuras maternas alternando a função de cuidadores, sem uma pessoa com o papel principal.


A relação de afeto seguro, sincero e previsível é um fator protetivo para que a criança se desenvolva com um esquema de apego seguro.


Honestidade, verdade, senso de lealdade e ausência de situações de abuso - Quando tais necessidades emocionais básicas não são atendidas, a criança pode desenvolver o esquema de Desconfiança/abuso. Em geral ocorre em ambientes onde as barreiras psicológicas, sexuais ou físicas da criança não foram respeitadas, e alguém que deveria protegê-la a atacou ou não o defendeu. A criança entendeu que foi manipulada, humilhada ou traída, bem como recebeu crítica excessiva sob forma de abuso verbal. Na vida adulta, tenderá a desconfiar de todos e viver em vigilância constante. Poderá apresentar padrões de comportamento como evita intimidade, não compartilhar emoções e pensamentos, trair ou abusar como forma de ataque. Pode se tornar agressivo, perverso e abusador. A forma de prevenir os danos emocionais deste esquema é ser honesto e verdadeiro. A criança deve sentir que pode confiar em seu cuidador, em sua palavra e em seus atos. Os pais ou cuidadores devem ser fiéis zeladores da integridade física, moral e psicológica da criança, para que esta sinta segurança para explorar o mundo sob a orientação e cuidado de seu porto seguro.


Afeto e amorosidade, empatia e proteção nas relações – A carência dessas necessidades gera o Esquema de Privação Emocional. São indivíduos que não tiveram troca emocional adequada com os cuidadores, pois ninguém prestou atenção significativamente aos seus sentimentos, ou ao expressar seus sentimentos, foram ridicularizados, humilhados ou espancados. Consequentemente, não esperam ser cuidados, entendidos, protegidos por outras pessoas. E também não se disponibilizam a dar cuidado, atenção e proteção aos outros. Podem ser rotuladas de egoístas e não empáticas. Talvez se tornem pessoas que causam privação emocional. Como não foram reforçados positivamente nas suas expressões, tornam-se distantes emocionalmente. Parecem autossuficientes, controlados e bem resolvidos, mas na verdade o Esquema está bloqueando a expressão da emoção. Percebem-se como incompreendidos, solitários, privados de amor, invisíveis e vazios. Mesmo cercados de pessoas, são solitários e desconectados do ambiente. Entende a expressão das emoções como algo errado ou perigoso, ridículo, sinal de fraqueza. A dificuldade em expressar sentimentos, aliada com a tendência a buscar relacionamentos abusivos e sabotar relacionamentos saudáveis tende a fortalecer o Esquema.


As famílias de origem, podem ser constituídas por pais emocionalmente distantes, sem empatia e frios. Embora o ambiente aparentemente seja seguro e saudável, os pais podem não ter tempo suficiente para a criança, são imaturos, que não sabem lidar com os sentimentos da criança ou não têm senso de direção para aconselhamentos.


A boa relação familiar e social na infância tem efeito protetivo para a saúde mental do adulto. No entanto, lembrando que só damos o que temos a oferecer, nem todo mundo está isento de ter suas próprias crenças disfuncionais. Cuidar da saúde mental é um direito de todos e uma forma de carinho que toda a família pode se beneficiar.


A psicoterapia infantil é muito mais eficaz quando acompanhada de perto pelos pais e, sempre que possível, que os mesmos façam a sua própria terapia.


O tema foi abordado sob a perspectiva da Terapia do Esquema, e, pela sua complexidade, será continuado em outras matérias publicadas futuramente.

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