A personalidade é um processo natural estruturado no temperamento do indivíduo em interação com o ambiente. A partir dessa interação o indivíduo aprenderá a manejar as contingências futuras. Um indivíduo funcional irá atualizar suas estratégias constantemente ao longo da vida, enquanto um indivíduo disfuncional tenderá a reproduzir estratégias que foram bem sucedidas em determinado momento, mas tornaram obsoletas. Nesta matéria daremos continuidade àquela publicada em setembro de 2020, onde iniciamos a apresentação de algumas necessidades emocionais básicas que precisam ser supridas para que se possa oferecer minimamente uma infância mentalmente saudável à criança e, consequentemente, reduzir os riscos de desenvolvimento dos transtornos de personalidade.
Estabilidade afetiva entre cuidadores e criança - Quando ninguém presta atenção significativamente aos seus sentimentos, ou ao expressá-los, é ridicularizada, humilhada ou espancada, a criança é invalidada nos seus sentimentos e pode desenvolver o Esquema de Privação Emocional. Pessoas com este Esquema ativado, tendem a não esperar ser cuidados, entendidos e protegidos ao longo da vida. Consequentemente podem não ter a disponibilidade de fazer em relação aos outros. Não por vingança, mas por ter aprendido e naturalizado este padrão de comportamento. Acabam por serem rotuladas de egoístas e não empáticas. Podem tornar-se “privadoras” emocionais.
A privação emocional tanto pode ser de carinho (contato físico de cuidadores), de interesse pelo que está acontecendo com a criança, quanto de cuidado, proteção e transmissão de segurança. Cada um irá afetar a criança de uma forma específica, podendo trazer prejuízos importantes à sua vida adulta. Os cuidadores muitas vezes possuem dificuldade de se envolver emocionalmente com as emoções, seja por já serem privados emocionalmente, ou por falta de tempo para a criança, excesso de trabalho, problemas familiares diversos, imaturidade, etc. Nem sempre um adulto consegue dar atenção à criança, e não cabe aqui tecer qualquer julgamento. A questão é que, independente de qualquer situação, toda criança possui necessidade de validação das suas emoções.
O indivíduo privado emocionalmente tende a mostrar-se como autossuficiente, controlado e bem resolvido. No entanto, percebe-se como incompreendido, solitário, privado de amor, vazio ou invisível. Muitas vezes, está cercado de pessoas, mas não consegue se conectar com o ambiente. Tende a ver a expressão das emoções como algo negativo, perigoso ou sinal de fraqueza. Tem medo de lidar com alguém que está expressando as emoções. Este padrão de comportamento tende a refletir na escolha de seus parceiros, e por isso envolve-se com pessoas emocionalmente distantes e sabota os relacionamentos com pessoas carinhosas.
Espontaneidade, interação e reconhecimento – A carência dessas necessidades básicas pode levar ao desenvolvimento do dois Esquemas desadaptativos: o de Defectividade/Vergonha e o de Isolamento Social/Alienação. No primeiro, o indivíduo tende a sentir-se como falho, defeituoso, inferior aos demais, inútil, mau, não merecedor de amor, carinho e atenção, causador de problemas. Teme se relacionar e expor seus defeitos. O sentimento de vergonha é cada vez mais intenso, mesmo quando todas as evidências são contrárias a suas crenças. Suas vitórias são sempre desqualificadas ou atribuídas ao acaso.
As famílias de origem são excessivamente punitivas, críticas, rígidas e exigentes. Podem não ter expressado verbalmente, mas por expressão facial ou ironia, brincadeira ou comparação seu descontentamento, de maneira sistemática. Quando criança, o indivíduo sentiu-se como uma decepção para seus pais ou cuidadores, rejeitado, culpado pelos problemas ou desarmonia no lar, foi comparado com outras crianças ou sofreu abusos ou agressões verbais frequentes.
No Esquema de Isolamento Social/Alienação, o indivíduo tende a se ver como alguém diferente, não pertencente ao seu grupo. Seu olhar é sempre de fora, como um "viajante". Não necessariamente como inferior, mas sempre distinto. Mesmo quando todos o recebem com acolhimento caloroso, sente-se desajustado e diferente. Com o tempo, as pessoas podem acabar desistindo de tentar integrá-lo ao grupo. Por outro lado, dentro do pequeno grupo familiar, sente-se integrado.
A família de origem pode ser vítima de rejeição ou humilhação, ou ainda ser destoante da comunidade, em termos de religião, cultura, etnia, língua, etc. Famílias que se mudam constantemente tornam mais difícil a construção de vínculos duradouros. Crianças que possuem alguma característica observável, podem sentir-se inferiores em relação a outras crianças, ainda que dentro da mesma família. Os padrões de comportamento mais comuns a estes indivíduos são de evitar frequentar eventos sociais, e quando não podem evitar, preferem manter-se na periferia, esquivando-se das aglomerações; realizar atividades solitárias e manter-se à margem dos grupos.
Os Esquemas de Defectividade/Vergonha e de Isolamento Social/Alienação trazem em comum a perda do desenvolvimento da vida social e das oportunidades de crescimento pessoal e profissional. A falta de confiança em si mesmo limita suas escolhas e suas possibilidades. A Terapia do Esquema é uma abordagem que auxilia na reconstrução de Esquemas Adaptativos que tornarão o indivíduo funcional.
A temática da formação da personalidade será continuada em matérias futuras.
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