X é um jovem administrador de empresas, que iniciou sua carreira como estagiário no RH de uma grande indústria e poucos anos depois tornou-se o CEO desta mesma empresa. Sempre foi visto pelos colegas de trabalho como ambicioso, competitivo e pouco confiável. Como CEO é visto como uma pessoa sarcástica, mas doce e acolhedor, quando convém. Ao mesmo tempo, gera um clima de desconfiança e intriga entre os membros da equipe. Segundo os subordinados, o ambiente de trabalho tornou-se tenso. As pessoas podem ser mudadas de setor ou demitidas por qualquer gesto de inconformidade com suas opiniões ou por destacar-se por competência no que faz.
Y é um romântico bon vivant. Atualmente encontra-se desempregado. Nunca se estabilizou em um emprego e migrou várias vezes entre profissões, desde pedreiro a promotor de vendas. Tem um relacionamento com uma enfermeira, mas nunca assumiu de fato a relação. Às vezes desaparece por alguns dias e depois volta dizendo que estava fazendo um trabalho fora. Invariavelmente pede dinheiro para custear seus gastos, dizendo que irá ressarcir logo que receber pelo trabalho que fez, mas nunca paga. Fala superficialmente sobre sua família, mas nunca promoveu um contato entre esta e a namorada.
Embora sejam histórias totalmente distintas, existe algo em comum entre X e Y. Ambos apresentam traços de personalidade antissocial. O transtorno de personalidade antissocial é caracterizado por um padrão difuso de desrespeito aos direitos dos outros, obedecendo a pelo menos três dos seguintes critérios: Desajuste às normas sociais relativas a comportamentos legais; tendência a mentiras repetidas, uso de nomes falsos ou de trapaça para ganho ou prazer pessoal; impulsividade ou fracasso em fazer planos para o futuro; irritabilidade e agressividade culminando em repetidas lutas corporais ou agressões físicas; descaso pela segurança de si ou de outros; falha repetida em manter uma conduta consistente no trabalho ou honrar obrigações financeiras; ausência de remorso, conforme indicado pela indiferença ou racionalização em relação a ter ferido, maltratado ou roubado outras pessoas. Estes comportamentos devem ter início por volta dos 15 anos e acompanham o indivíduo ao longo de toda a vida. Porém o diagnóstico só pode ser feito a partir dos 18 anos de idade.
A prevalência é de homens, mas existem também mulheres com o transtorno de personalidade antissocial. Na população carcerária é comum encontrar indivíduos com este perfil, mas como podemos observar a partir dos casos ilustrados acima, na sociedade o transtorno é mais comum do que se imagina. Isto se dá porque o grau de comprometimento pode variar desde o indivíduo que pratica pequenos estelionatos até o serial killer.
O indivíduo antissocial é desprovido de empatia, ou seja, não consegue colocar-se no lugar do outro e apiedar-se. Por isso não sente culpa por prejudicar, ferir ou em casos extremos, matar uma pessoa. Geralmente são cínicos e debochados diante do sentimento e sofrimento alheio. Podem ser arrogantes, por se acharem superiores a todos ao redor. São capazes de usar seu charme para manipular os outros, e trapacear a fim de obter vantagem para si. Alguns mentem sobre suas profissões, mas são tão envolventes que só quem está atento observa a superficialidade de seu conhecimento. Quando são pais, os antissociais são negligentes e usam os próprios filhos para obter benefícios sociais e financeiros para si mesmos. Ao mesmo tempo que envolve a pessoa que lhe interessa, ao longo do tempo vai criando um perfil acima de qualquer suspeita na rede de relacionamento da mesma, enquanto cria uma imagem de pessoa psicologicamente vulnerável para seu alvo. Desta maneira, se esta vier a denunciá-lo, estará totalmente sem credibilidade.
Dada a ausência de percepção da necessidade de mudança de comportamento, o indivíduo com personalidade antissocial tende a sentir-se vítima de tratamento injusto, preconceituoso ou hostil por parte de outros indivíduos e instituições. Para ele, sua conduta é correta e não há motivos para agir diferente.
O terapeuta cognitivo-comportamental pode auxiliar o indivíduo a desenvolver meios de sobrevivência funcionais, que contribuam com o bem-estar e a segurança tanto do indivíduo quanto dos pares e da sociedade. Uma vez que o paciente percebe as vantagens de se engajar no comportamento socialmente adequado, torna-se motivado a buscar formas adaptativas para interagir com a sociedade e controlar os próprios impulsos.
É importante ressaltar que nem todas as pessoas com características parecidas com as de X e Y são antissociais. Os relatos acima são fictícios, cujo objetivo é ilustrar algumas características do transtorno.